Discorrer sobre o insólito na literatura exige uma reflexão prévia sobre três conceitos abordados por Tzvetan Todorov: o estranho, o maravilhoso e o fantástico.
Segundo Todorov, o gênero maravilhoso constitui o sobrenatural aceito:
(...) os elementos sobrenaturais não provocam qualquer reação particular nem nas personagens, nem no leitor implícito. Não é uma atitude para com os acontecimentos narrados que caracteriza o maravilhoso, mas a própria natureza desses acontecimentos (TODOROV: 1975, p.60).
O gênero estranho caracteriza-se como o sobrenatural explicado, isto é, refere-se a “acontecimentos que podem perfeitamente ser explicados pelas leis da razão, mas que são, de uma maneira ou de outra, incríveis, extraordinários, chocantes, singulares, inquietantes, insólitos” e que, por esta razão, provocam na personagem e no leitor reação semelhante àquela produzida pelos textos fantásticos (TODOROV:1975, p.53) .
Cabe ao fantástico a característica de se localizar no limite dos dois outros gêneros, ocorrendo em circunstâncias permeadas de incertezas: “O fantástico é a hesitação experimentada por um ser que só conhece as leis naturais, face um acontecimento aparentemente sobrenatural” (TODOROV: 1975, p. 31).
Ainda segundo Todorov, o fantástico exige uma integração do leitor no mundo das personagens, uma vez que se define pela percepção ambígua que o próprio leitor tem dos acontecimentos narrados (TODOROV: 1975, p.37). No entanto, o leitor mencionado por Todorov não é o leitor empírico, mas uma “função” de leitor implícita no texto. Esse leitor implícito detém as características de um leitor potencial, idealizado, materializando um conjunto de orientações que há de guiar o possível leitor empírico no sentido de uma interpretação adequada da obra, segundo a ótica de seu autor. A hesitação, a ambiguidade suscitada pelo fantástico só é possível mediante a existência desse leitor implícito.
Se em dado momento a literatura fantástica surgiu de forma a dar uma roupagem nova à abordagem de determinados assuntos que até então constituíam tabu para a sociedade, o advento da psicanálise tratou de desvelar os temas ocultos, dando um golpe mortal no fantástico em sua concepção tradicional, dando origem a uma concepção moderna.
O Realismo Maravilhoso, surgido no século XX, é um gênero que se preocupa com a gênese de uma nova visão da realidade expressa por um experimentalismo narrativo que enseja a construção de uma imagem plurissignificante do real.
O termo “insólito” corresponde ao que é anormal, incomum, extraordinário. Vai além dos conceitos de realidade, verdade e até mesmo de gênero literário, pois sua presença na narrativa envolve efeitos diferentes, dependendo da época. No mundo contemporâneo, em que a verdade absoluta já foi contestada e as fronteiras entre o real e o irreal apresentam-se diluídas nas narrativas, há que repensar o papel do insólito nos textos ficcionais, bem como rever a sua relação com os leitores empíricos e virtuais.
* Trecho retirado do artigo As relações entre o insólito e os leitores empírico e virtual de autoria de Shirley de Souza Gomes Carreira, Doutora em Literatura Comparada pela UFRJ e Professora Assistente da UNIABEU.
Muito bom.
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